A agência de notação financeira Moody’s alerta que Angola e Moçambique estão entre os países da África subsaariana onde as empresas públicas mais podem desequilibrar as contas públicas devido ao reporte deficiente dos dados. Por outras palavras, Há quem esteja atento a algo que os angolanos conhecem há 45 anos – a batota do MPLA.
“O nosso indicador composto sobre a transparência orçamental assinala que países como o Gabão, Angola, República do Congo e Moçambique estão particularmente em risco de reporte deficiente de dados, sugerindo que os desafios relativos ao endividamento das empresas públicas não estão limitados a estes três países”, lê-se num relatório sobre o impacto da pandemia de Covid-19 nas empresas do Estado e, consequentemente, nas finanças públicas e, é claro, no bolso (há muito vazio) dos 20 milhões de angolanos pobres.
De acordo com o documento, “a intensificação das dificuldades financeiras das empresas estatais devido à crise do novo coronavírus vai aumentar os riscos para a maioria dos países emissores de dívida soberana”.
Os riscos, aponta-se, são “particularmente elevados para os governos da África subsaariana devido aos grandes níveis de dívida, à importância estratégica das empresas públicas e à fraca governação, sendo a dívida garantida pelo Estado o maior risco imediato em países como a Etiópia e a África do Sul, mas também podendo desequilibrar países sem capacidade para ajudar as empresas, como a República do Congo ou Moçambique”.
A dívida vencida das empresas públicas na África subsaariana é “significativa”, alerta a Moody’s, estimando que as entidades públicas não financeiras tenham uma dívida equivalente a 10,7% do Produto Interno Bruto (PIB).
O apoio do Estado, independentemente das obrigações contratuais, é “altamente provável”, escrevem os analistas da Moody’s, argumentando que “mesmo que o nível de apoio formal dado seja baixo na região, com uma média de 3,4% do PIB, existe uma forte probabilidade de o reporte dos dados ser ‘feito por baixo'”.
O apoio, afirmam, será sempre dado já que “na maior parte dos casos estas empresas públicas operam em sectores estratégicos da economia, empregam um grande número de pessoas e fornecem serviços essenciais”.
No relatório, a Moody’s lembra o caso da Sonangol, entre outros, para apontar que “os países com recursos naturais onde a produção de petróleo e minas são geridas por empresas públicas são vulneráveis a choques de procura e de matérias-primas, como por exemplo em Angola, que em 2016 foi obrigada a ajudar a Sonangol com uma transferência de 10 mil milhões de dólares, equivalente a 10% do PIB, no seguimento de quebras de liquidez causadas por uma descida do preço do petróleo”.
Sobre Moçambique, os analistas lembram o caso da ‘dívida oculta’ para sustentar que as obrigações contratuais dos governos devem ser mais altas que os dados oficiais.
“No caso de Moçambique, por exemplo, o governo garantiu cerca de mil milhões de dólares de duas empresas públicas sem aprovação parlamentar, e quando as empresas não conseguiram gerar verbas suficientes para pagar os empréstimos, o Governo tentou intervir para honrar a dívida garantida, que não conseguiu pagar, e atirou o país para um ‘default'” (incumprimento), conclui a Moody’s.
E por falar em batota…
O contexto era outro, mas a estratégia que faz parte do ADN do MPLA é a mesma. Vejamos, na íntegra, um artigo de Rafael Marques de Morais, publicado em 13 de Abril de 2017 com o título “O candidato da batota”:
«Por toda a Luanda vêem-se cartazes publicitários a apresentar João Lourenço como o candidato do MPLA a presidente da República de Angola. Todos os dias, a Televisão Pública de Angola (TPA), que pertence a todos os angolanos, mais parece a conta pessoal de YouTube de João Lourenço.
É a televisão do candidato do MPLA a anunciá-lo como a segunda reencarnação de José Eduardo dos Santos. A Rádio Nacional de Angola (RNA), que também pertence a todos os angolanos, está rouca de tanto gritar João Lourenço, para o afirmar como o novo deus pagão do MPLA e, à força, estabelecer um culto de personalidade à sua volta, num par de meses. O Jornal de Angola, também membro da tríade da comunicação social do Estado, é irrelevante. Não é lido.
Mas esquecem-se de um pequeno detalhe. Não há eleições marcadas e não há candidatos a eleições. Como pode haver um candidato àquilo que não existe?
As eleições gerais, que definem o próximo presidente da República, são convocadas até 90 dias antes do termo do mandato do presidente da República e dos deputados (artigo 112.º, n.º 1 da Constituição da República de Angola – CRA), e devem realizar-se até 30 dias antes do fim do mandato do presidente e dos deputados (artigo 112.º, n.º 2 da CRA). Ora, o mandato do actual presidente da República termina a 26 de Setembro de 2017, logo, as eleições têm de ocorrer até 26 de Agosto de 2017 e têm de ser convocadas até 26 de Junho 2017. Têm de ser, mas ainda não foram.
Como nota o analista jurídico Rui Verde, “neste momento, há uma expectativa jurídica, não há um facto concretizado”.
Só depois de marcadas as eleições é que os candidatos se apresentam. A Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais (LOEG) dispõe que as candidaturas a presidente e vice-presidente são apresentadas 20 dias após a convocação das eleições gerais (artigo 37.º da LOEG). A seguir a esta apresentação, a candidatura é apreciada pelo Tribunal Constitucional (artigos 44.º e ss. da LOEG) que, verificando a sua conformidade com a Lei, comunica a aceitação dos candidatos à Comissão Nacional Eleitoral (artigo 50.º). Só no fim deste processo é que temos um candidato às eleições.
Portanto, em termos formais, a propaganda combinada do MPLA, da TPA e da RNA está a desrespeitar gravemente a legislação em vigor.
Neste momento, João Lourenço é candidato a candidato a umas possíveis eleições. Para ser candidato a sério, as eleições têm de ser marcadas e o Tribunal Constitucional tem de aceitar a sua candidatura.
Mas, pelo que se vê, o Tribunal Constitucional está a ser usado apenas como um reboque da campanha do MPLA, para carregar uns fardos de aparência jurídica e criar obstáculos à oposição. É o partido MPLA quem decide. Ou então já adivinha tudo, eleições, decisões do Tribunal Constitucional. Aliás, já deve ter adivinhado o resultado das eleições… ou ter decidido antecipadamente os resultados do escrutínio.
Os defensores do poder bem podem argumentar que isto são apenas formalismos sem importância da Constituição e da Lei. Toda a gente sabe que vai haver eleições e toda a gente sabe que João Lourenço é o candidato do MPLA à presidência da República.
Mas é aqui que entra a diferença entre barbárie e civilização. O respeito da forma é a melhor maneira de se respeitar a liberdade. Sem formalismos, não há liberdade, nem Direito, apenas o arbítrio de quem decide. É aqui que se nota que o carácter de civilização do MPLA se confina à aparência ocidentalizada da sua elite. Em tudo o resto, é a barbárie.
Os cartazes espalhados pelo país, a anunciar João Lourenço como candidato presidencial do MPLA, simbolizam o desrespeito pela igualdade e legalidade eleitoral. Provam que mais uma vez estamos perante uma encenação eleitoral, e não perante um processo eleitoral conduzido com escrupuloso respeito pela legalidade.
Se a forma constitucional e legal existe, é para desempenhar uma função: evitar atropelos e garantir a igualdade dos participantes. O que se verifica é que, ao desrespeitar os preceitos legais, a candidatura de João Lourenço parte de um patamar eleitoral superior e atropela a igualdade eleitoral. João Lourenço já sabe a data das eleições? João Lourenço já sabe que o Tribunal Constitucional aceita a sua candidatura? Se sabe, não devia saber.
Mais grave ainda, este comportamento batoteiro denuncia João Lourenço como mais do mesmo. Tirando a fotografia simpática com o seu cachorrinho, que faz circular nas redes sociais, João Lourenço não revela qualquer simpatia pela ética, pelo respeito às leis, e não articula qualquer visão para o país e para unir os angolanos na luta pelo bem. Está perfeitamente enquadrado como o rosto da batota e do mal do MPLA. Um homem assim é, na realidade, um candidato a ditador».